terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Momentos no cinema


São tardes ou noites que ganharam sentidos únicos ao longo do ano.
Filmes que foram ficando, que jamais vou esquecer ou que representam algumas tendências curiosas para quem gosta de seguir o que se passa no mundo cinema.

Não sou boa a eleger os melhores, mas partilho aqueles que não consigo esquecer
Cá estão:
"Antes que o diabo saiba que morreste"

Este não é o habitual filme que desmonta a história em retrospectiva, mesmo que seja, estruturalmente o que de facto acontece.
Mais importante do que a narrativa para explicar a história, é a desconstrução das personagens, para explicar as suas motivações.
Quando dois irmãos planeiam um assalto a uma ourivesaria, provavelmente desconfiamos que pode correr mal, mas não ousamos pensar até onde Sidney Lumet nos quer levar com as personagens.
Não sabemos onde pode chegar a desarticulação de uma família.
Desconcertante e surpreendente.
Um momento de plena forma de Sidney Lumet, talvez injustiçado pela forma discreta com que passou pelas salas portuguesas.

" O lado Selvagem"
A proposta de aventura de um jovem de 22 anos que deixa o conforto e a segurança para mergulhar numa viagem introspectiva e exploratória da relação do homem com a natureza.
Sean Penn provou, se é que precisava, que é um dos mais interessantes valores do cinema actual, quer esteja à frente ou atrás das cameras.
Mesmo que já não seja possível manter a ingenuidade e rebeldia do protagonista, mesmo que já estejamos todos contaminados pela hipocrisia e materialismo de que ele foge, é perturbante e poético que alguém tenha procurado e tentado viver "O Lado Selvagem" no mundo de hoje.


My Blueberry Nights - O sabor do amor
Wong Kar Wai assumiu um lado de inspiração pop que as suas personagens já manifestaram em filmes anteriores. As influências da cultura americana não são novidade nas histórias que já contou, mas aqui deixa-se seduzir pela geografia do país.
Vincou também o gosto pessoal por histórias de amor.
Criticado por ter cedido perante o cinema americano, ao filmar nos estados unidos, com elenco internacional, comandado pela cantora Norah Jones e por Jude Law.
Será que perdeu o romantismo, o simbolismo e as formas que lhe deram nome? Ou ganhou em definitivo as marcas que o definem como um valor acima de culturas?
Um dos melhores romances do ano.


"Wall-E"
O rescaldo do ano já não se faz sem o cinema de animação, as contas finais de bilheteira provam-no de ano para ano.
Mas os filmes de animação são também um filão criativo com capacidade de contentar públicos variados.
Wall E trouxe um desafio sem precedentes até mesmo para o cinema de animação, mais liberto por via das questões técnicas.
Ousou dispensar as vozes off de estrelas planetárias, e não se socorreu de uma parte de humor garantido pelos diálogos cada vez mais inteligentes no cinema de animação actual.
Nem tão pouco apostou em bonecos desenhados à semelhança de humanos com caras famosas.
Um risco gigante em tempos de crise, que foi aposta vencedora.
Uma sedução pura, a envolver o publico nas imagens que valem de facto, mais do que as palavras, para contar a história de robôts à procura do amor.


"Quatro noites com Anna"
O estado puro da composição de plano, da banda sonora, das interpretações e da motivação da personagem principal.
O polaco Jerzy Skolimowski esteve 17 anos sem filmar, mas não parou no tempo.
Dedicou-se à pintura e o filme é o registo provado de que é um homem de várias artes.
O recurso aos diálogos, é escasso num filme que precisa de poucas palavras quando o realizador e o protagonista conseguem dizer tudo através do olhar que constróem.
Skolimowski fez uma pausa abençoada, para retomar caminho e devolver ao cinema europeu um ponto de vista vibrante.


Sweeney Todd - O terrível Barbeiro de Fleet Street

É um dos primeiros trunfos do ano que encerra, chegou a Portugal em Janeiro, e trouxe um novo alento para os adeptos da cinematografia de Tim Burton.
E se o género musical desperta algumas reservas, neste caso, é a peça que faltava à carreira do realizador.
A peça de Stephen Sondheim permitiu-lhe manter o gosto natural por ambientes terríficos e por histórias de amores impossíveis, aqui retocadas a negro.
Burton socorre-se de um elenco que assegura o compromisso de um musical de luxo, e por outro lado mantém-se fiel aos colaboradores mais íntimos, como Johnny Depp e Helena Boham Carter.


Batman - O cavaleiro das Trevas

Acção a negro, como há muito não se via, nos filmes do herói de Gotham City.
O homem morcego está menos comprometido com o lado benfeitor e mais contaminado pelo mundo de trevas que o rodeia, mergulhado no dilema da culpa e da redenção.
Um conflito agravado pelos vilões, que neste Batman não estão lá para ser vencidos, mas para cravar as dúvidas da personagem dupla de Christian Bale.
Aaron Echkart excede as expectativas na personagem que se transforma porque deixa de acreditar nos valores que o regeram.
Heath Ledger é a personificação da insanidade ao alcance de qualquer um, sem estar protegido por um sem número de invenções e artimanhas que outros vilões da série usaram.
Um papel brilhante, num filme que soube evoluir para fazer honra ao título. Batman é cada vez menos um herói e cada vez mais um homem lançado nas trevas.


"Haverá Sangue"
É um dos filmes na ressaca dos oscares do ano passado.
Foi um dos candidatos mais fortes (8 nomeações) e acabou premiado pela fotografia e pelo desempenho de Daniel Day Lewis, um explorador de petróleo que comanda o destino da vida com pulso de ferro, no trabalho e na família.
Paul Thomas Anderson correu o risco de deixar de seduzir as plateias, como fez em "Magnolia" e "Boogie Nights", para literalmente sujar as mãos e embarcar num épico mergulhado em ouro negro.
A saga do protagonista é em simultâneo o caminho do sucesso, prosperidade, obsessão, solidão e revolta.
O filme marca o regresso do actor mais camaleónico da actualidade.
Um manifesto dramático convertido em metáfora sobre os alicerces de uma sociedade rendida ao petróleo, que perde a fé e os valores humanos.
Teria sido um justo vencedor do Oscar de melhor filme, foi o meu.


"Ensaio sobre a Cegueira"
O livro de José Saramago chega ao cinema envolto em expectativa e cumpre pelo menos uma parte.
Criar a noção de caos numa sociedade que fica repentinamente à mercê de uma cegueira colectiva, e da forma como essa condição pode levar-nos a perder a humanidade e o respeito pelo outro.
Talvez ainda não seja este o filme que fica para a história como o equilíbrio perfeito entre o original e a adaptação, mas o realizador Fernando Meirelles, conseguiu imprimir o tom de uma história que é uma gigantesca metáfora sobre os valores e a degradação da sociedade e da condição humana nos dias que correm.
É uma das melhores histórias do ano, num filme que cumpriu os objectivos.



"Brincadeiras Perigosas"
Michael Haneke parece ter uma dose considerável de arrogância quando assumiu que queria dar uma lição aos americanos, refazendo com elenco de caras conhecidas o filme premiado que marcou a década de 90.
O título Funny Games, está para além das Brincadeiras Perigosas, levadas a cabo pela dupla de jovens que tortura uma família nas férias.
Brincadeiras Perigosas podem ser também as manobras de um realizador que tenta provocar a plateia colectiva de um país, fornecendo-lhes de bandeja, (sem legendas), o original que dificilmente estariam dispostos a ver, com marca de produção e elenco austríaco.
Tal como o filme, Haneke continua a ser mestre na manipulação das histórias, e das audiências.
Tal como da primeira vez, e embora seja um decalque plano e plano, Brincadeiras Perigosas continua a ser um ensaio inteligente sobre a violência.

3 comentários:

Luís F. disse...

Excelente retrospectiva! (não gosto muito desta palavra, mas agora não me lembro de outra…)

Não vi alguns dos filmes, mas gostava de ter visto… Dos que vi, concordo com quase tudo o que dizes.

Tens mesmo de “perder” um pouco do tempo que tens e aparecer mais por aqui, boa?

Anónimo disse...

I regularly visit your blog.
Keep on challenging!

Soft Bites disse...

Luis que bom reencontrar-te!
Vou regularmente fazer-te uma visita, mais regularmente do que escrevo aqui.
E quem é este senhor que também aparece?